Não há evidências dos benefícios da creatina para cognição

benefícios da creatina para cognição é mito

Existe uma onda de entusiasmo em torno da creatina para cognição.

O suplemento deixou de ser apenas o queridinho das academias para ganhar espaço em discursos sobre vantagens para a memória, foco e até proteção contra doenças.

A ideia circula com força nas redes sociais e alimenta um mercado que avançou rapidamente para incluir pastilhas, gomas e até alimentos enriquecidos com o composto.

Mas, quando analisamos o que a ciência diz, o castelo de promessas desmorona.

Saiba abaixo por que dizer que existem benefícios da creatina para cognição é mito.

A origem do mito da “creatina para cognição”

Multiplicaram-se publicações virais nas redes sociais de pessoas afirmando que existem benefícios da creatina para o cérebro.

As justificativas se apoiam em uma plausibilidade biológica: como os neurônios consomem muita energia, a creatina, que atua no fornecimento energético muscular, poderia ajudar o cérebro a trabalhar melhor.

O fisiologista Bruno Gualano, um dos maiores pesquisadores sobre creatina no mundo, explicou que essa lógica não se sustenta na realidade.

A literatura científica sobre o tema ainda é limitada e inconsistente, e os efeitos neurocognitivos não aparecem em análises amplas.

O pesquisador Rafael Roschel reforçou essa visão e afirmou que, quando se observa o conjunto das evidências, não há material suficiente para indicar o suplemento com esse propósito.

o psiquiatra Luiz Dieckmann, diretor médico do Instituto Brasileiro de Farmacologia Prática, também destacou que plausibilidade biológica não determina desfecho clínico.

Ele lembrou que várias teorias médicas consideradas promissoras já se mostraram ineficazes quando testadas rigorosamente.

Portanto, os especialistas são unânimes: não existe evidência de benefícios da creatina para cognição.

quais são os benefícios da creatina para cognição

Estudos sobre creatina para cognição: muito barulho, pouca evidência

A crença nos possíveis benefícios da creatina para cognição ganhou novo fôlego após a divulgação de um estudo publicado no Scientific Reports, em 2024.

A pesquisa teve grande visibilidade: mais de 770 mil acessos e quase 2 mil menções em altmétricas.

Apesar disso, sua utilidade prática é bastante inconsistente.

O estudo apresenta limitações que comprometem sua força científica, como:

  • Os voluntários estavam em privação de sono, condição que por si só prejudica a cognição;
  • A dose usada foi extremamente alta (0,35 g/kg em dose única), muito acima do que qualquer pessoa consumiria;
  • Os resultados surgem horas após a ingestão, um efeito que não se sustenta como evidência de benefício duradouro;
  • A amostra foi pequena, o que reduz a confiabilidade estatística.

O estudo não avaliou pessoas descansadas ou em condições normais de vida, limitando drasticamente a aplicação prática dos achados.

Ou seja, mesmo que tenha encontrado pequenas mudanças em testes cognitivos, isso não significa que a creatina melhore o funcionamento cerebral.

A superestimação da creatina

Também se atribui à creatina supostos efeitos no controle da glicose, ganhos de memória, estímulo ao desenvolvimento infantil e até em situações relacionadas ao autismo.

Para o endocrinologista Clayton Macedo, que preside o Departamento de Esporte e Exercício da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, nada disso se sustenta.

Ele reforça que o campo ainda carece de estudos bem conduzidos antes que qualquer afirmação seja feita.

O equívoco de estudos antigos e a distorção nas redes sociais

Quem defende a ideia da “creatina para o cérebro” também cita um estudo de 2009 que encontrou benefícios cognitivos.

O problema é que os participantes eram soldados submetidos ao calor intenso, alimentação restrita, privação de sono e esforço físico extremo.

Todos esses fatores alteram o desempenho cognitivo e, portanto, não podem ser usados como parâmetros.

Para completar, a nutricionista Jéssica Tosatti, pesquisadora da UFMG, lembrou que os ensaios que sugeriam vantagens já foram refutados por falhas metodológicas.

Alguns apresentavam erros de desenho estatístico, outros extrapolavam conclusões sem apoio real nos resultados.

A partir desse conjunto de análises, fica claro que os tais benefícios da creatina para cognição são mitos difundidos.

O suplemento NÃO previne Alzheimer, NÃO aprimora a memória e NÃO protege o cérebro de doenças psiquiátricas.

creatina para memória

Benefícios reais da creatina: ganhos limitados de 1 a 3% na força

O pesquisador Bruno Gualano explicou que suplementos voltados ao desempenho, como a creatina, oferecem ganhos discretos que variam entre 1% e 3%.

Para quem está começando a treinar ou pratica exercícios de forma esporádica, esse impacto é tão pequeno que passa quase despercebido.

Já para atletas experientes ou pessoas que treinam força com regularidade, esses poucos pontos percentuais têm peso.

Em esportes de alto rendimento, inclusive, essa margem pode decidir quem chega primeiro ou quem fica para trás.

Gualano, que também é professor da Faculdade de Medicina da USP, ressaltou que a creatina só mostra seu potencial quando existe treino intenso.

Caminhadas, corridas leves e atividades sem sobrecarga progressiva praticamente não se beneficiam do suplemento.

O efeito aparece mesmo em sessões de musculação bem estruturadas e em modalidades explosivas, que exigem mudanças bruscas de esforço em curtos intervalos.

A lógica também vale para outros ergogênicos, como a cafeína: o benefício existe, mas segue limitado a pontos percentuais e depende da resposta individual.

Na prática, a creatina não transforma ninguém. O que ela faz é dar um empurrão em quem já treina pesado.

Banalização e produtos adulterados de creatina

O exagero em torno da creatina gerou um fenômeno bem conhecido: a transformação do suplemento em produto de massa.

Depois dos pós e cápsulas tradicionais, surgiram gomas, pastilhas sublinguais e alimentos fortificados.

A endócrinologista Maria Fernanda Macedo alertou, em entrevista para a Veja, que cresceu muito o número de pessoas usando o suplemento sem indicação e até sem praticar exercício.

Essa banalização abre margem para outro problema: falsificação.

A preocupação dos órgãos regulatórios

A Anvisa analisou 41 suplementos de creatina disponíveis no país.

Apenas 1 passou em todos os critérios, que incluíam teor da substância, rotulagem e ausência de materiais estranhos.

Várias marcas apresentavam informações conflitantes ou irregulares na embalagem.

Em alguns casos, encontraram até traços de anabolizantes.

Érika Carvalho, presidente do Conselho Federal de Nutrição, explicou que a oferta de produtos adulterados exige atenção redobrada do consumidor.

Conclusão

A realidade é simples: os dados atuais não justificam promessas relacionadas à benefícios da creatina para cognição.

Se, no futuro, pesquisas mais robustas apontarem algum benefício, ótimo! Por hora, ciência não é torcida.

E, no que diz respeito à cognição, ela diz apenas uma coisa: não há dados que comprovem os benefícios da creatina para o cérebro.

Para quem busca ter benefícios reais no ganho de massa muscular e na cognição, o melhor caminho é seguir uma alimentação balanceada.

Conte com a expertise de um nutricionista qualificado neste processo!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MCCANN, S. M.; AMPONSAH, A. Creatine supplementation does not improve cognitive function in young adults. Physiology & Behavior, 2008.

JONCQUEL-CHEVALIER CURT, M. et al. Creatine biosynthesis and transport in health and disease. Biochimie, 2015.

KREIDER, R. B. et al. International Society of Sports Nutrition position stand: safety and efficacy of creatine supplementation in exercise, sport, and medicine. Journal of the International Society of Sports Nutrition, 2017.

*Este conteúdo tem caráter apenas informativo e não substitui o diagnóstico ou tratamento de um médico ou nutricionista. As informações aqui apresentadas não devem ser aplicadas de forma individual sem orientação profissional.

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